MAZDA FURAI, VIDA E MORTE DE UM CARRO-CONCEITO https://www.youtube.com/watch?v=C4Xl0i4uNGU
Praticamente todos os carros que vemos hoje no mercado nasceram de algum carro-conceito, podendo ou não terem sido mostrados ao público. Os carros-conceitos que ficam conhecidos são os que vão para exposições e salões. Há conceitos que apenas os membros do alto escalão das empresas podem ver, e tomar decisões.
A função de um carro-conceito é mostrar tendências ao público e ver sua aceitação, quase sempre de novos designs. Desta forma, o fabricante pode decidir se seguirá com algo parecido para produção em série ou não. Funciona como um teste de carisma para a proposta.
Muitos carros conceitos são apenas estáticos, não possuem motor. Às vezes, nem mesmo um interior funcional é feito, pois o que interessa apenas é a carroceria, a parte exterior. Estes são chamados de mock-ups pelos termos da indústria.
A Mazda, famosa pelo seu motor rotativo de ciclo Wankel, ficou anos sem grandes lançamentos no que diz respeito a designs arrojados. Com uma renovação na sua linha do ano 2000 para frente, o visual de seus modelos mudou bastante. Diversos carros-conceitos foram apresentados, e entre eles, um chamado Furai.
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Desenho artístico preliminar do Furai, feito por Carlos Salaff, antes da fabricação |
Furai significa “o som do vento” em japonês. Ele nasceu logo depois do conceito Nagare, que ditou uma linha de estilo para a marca por alguns anos. Nos dias de hoje, definir um modelo ou uma espécie de identidade é um recurso comum. Uma linha de design é apresentada e usada como referência por algum tempo, até que outro conceito seja introduzido, e assim a marca evolui. Lembrem-se do conceito Evos da Ford, que ditou a forma básica do atual Fusion e novo Fiesta, que lembra um Aston Martin.
O Furai foi criado para ser a conexão entre os carros de rua e os carros de corrida da marca, como uma forma de homenagear a herança dos carros de competição da Mazda, entre eles o lendário 787B, vencedor de Le Mans em 1991. Diga-se de passagem, o único carro japonês a vencer as 24 Horas.
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Vista traseira do Furai no desenho de Salaff |
Diferente da maioria dos carros de exposição, o Furai é totalmente funcional. A idéia de homenagear a linhagem de competição da marca abriu a porta para que o carro fosse desenhado como um carro de corrida. Como ele não iria participar de nenhum campeonato, não precisava atender nenhum regulamento ou normas técnicas que limitam as dimensões externas do carro, logo suas linhas foram desenhadas livremente.
O resultado foi uma carroceria de compósito de fibra de carbono muito arrojada, futurista, que transmite sensação de velocidade. Como o carro seria funcional, era um laboratório para estudos de aerodinâmica da Mazda, além de novos recursos, como faróis, sistemas de arrefecimento e motorização.
Ao contrário de conceitos como o Lamborghini Sesto Elemento, que focava na engenharia de seu novo chassi, o Furai nasceu em cima de um carro existente. Para que os criadores não tivessem que desenvolver um carro totalmente do zero, que não era a proposta, um chassi de Courage C65 foi utilizado. Este chassi correu no campeonato da American Le Mans Series (ALMS) entre 2005 e 2006, pilotado inclusive pelo brasileiro Raphael Matos.
A Mazda é conhecida pelo seu motor Wankel, e o Furai não poderia ser diferente. O chassi do Courage que foi usado correu com uma versão preparada do motor Renesis-R20B, uma unidade com três rotores, que teve também uso em carros de rua. No Furai, o motor foi revisado e desenvolvia 460 estrondosos cavalos. Detalhes estéticos do carro mostram que o Wankel está ali dentro, pulsando como o coração desta fera, e faz parte da história da Mazda.
Uma das propostas do Furai era também o uso de combustíveis alternativos, no caso, o álcool etílico. O motor foi preparado para receber o combustível ecológico, velho conhecido nosso, em parceria com a empresa BP.
Com o chassi pronto à disposição dos projetistas, sua carroceria foi esculpida como uma obra de arte. Todos os elementos foram desenhados para terem funcionalidade na aerodinâmica, desde o pára-brisa até os faróis e suas fixações. As linhas fluidas permitem um baixo coeficiente de arrasto aerodinâmico ao mesmo tempo que gera boa quantidade de força aerodinâmica vertical (downforce). O Furai pode chegar a 300 km/h.
Por não ser um carro de competição, o Furai leva dois ocupantes. O habitáculo original do C65 foi aumentado para acomodar um passageiro, além do piloto. Toda a parte eletrônica do modelo de competição da ALMS ficava onde é o banco do passageiro, e foi acomodada em diferentes locais do carro.
Em 2008, a Mazda levou o Furai para ser apresentado oficialmente ao público no Salão de Detroit. Foi um sucesso absoluto. Os elementos que remetem aos rotores triangulares do motor deram esperanças ao amantes da marca, pois a continuidade do Wankel para a produção em série estava em discussão.
O sucesso do Furai foi ainda maior quando todos souberam que era um carro funcional. Apresentações restritas foram feitas em alguns circuitos, entre eles Laguna Seca, na Califórnia, onde o inconfundível som dos três rotores ecoava pelo deserto. Em alusão ao passado, o Furai carregava o número 55 na sua pintura. Este era o número do carro vencedor de Le Mans de 1991.
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Interior simples, como um carro de corrida |
Depois de algumas aparições, o Furai desapareceu sem deixar vestígios. Não é incomum isto ocorrer, uma vez que os carros-conceitos logo devem sair de cena para que novas propostas sejam feitas e o design continuar evoluindo. Dependendo da expressividade e aceitação do público, estes estudos de engenharia e design são guardados, ou nos museus de suas respectivas marcas, ou dentro de algum galpão nos estúdios de design das fábricas para eventualmente serem usados. Para os carros menos representativos, seu fim acaba sendo a destruição.
Era muito pouco provável que a Mazda destruísse o Furai, pois foi um sucesso. Trancá-lo dentro de um galpão, longe dos olhos de todos? Talvez. A verdade seria revelada anos depois para a surpresa de todos. Hoje em dia a notícia já não é novidade, mas recentemente mais informações e imagens foram publicadas sobre o desaparecimento do Furai.
Depois das apresentações oficiais, o Furai era visto como a menina de ouro da Mazda. Pouquíssimas pessoas teriam acesso ao carro. A única que pôde andar no carro foi a revista Top Gear – não confundir com o programa de televisão, esta é a publicação, obviamente do mesmo grupo.
A revista Top Gear seria a primeira de poucas selecionadas para avaliar o carro. Em 19 de agosto de 2008, o carro estava na pista do aeroporto de Bentwaters Parks para a sessão de fotos.
O editor Charlie Turner, o fotógrafo Lee Brimble e o piloto da Mazda, Mark Ticehurst, davam as últimas voltas para fechar as fotos da matéria. Turner queria algumas fotos do Furai cuspindo fogo pelo escape nas reduções de marcha, então ele e o fotógrafo, a bordo de um carro de apoio seguiam o piloto no Furai.
Depois de algumas passagens pela reta do aeroporto, o Furai e o carro de apoio com os membros da revista estão do outro lado da longa pista de decolagem, longe de onde a equipe de apoio está. O Furai começa a fazer um som estranho do motor e fumaça começa a sair pelas aberturas da carroceria.
O carro com Turner e Brimble consegue se aproximar do Furai para avisar Mark das chamas (a visão do piloto em um carro destes é muito restrita, principalmente para trás), e assim que o piloto percebe, corta a ignição do motor e encosta o carro para cair fora. Brimble desceu para ajudar Mark, enquanto que o Turner voltou o mais rápido que pode, buzinando desesperadamente e dando sinais de farol para avisar os bombeiros que algo estava errado.
Como eles estavam longe do time de apoio, e conseqüentemente do caminhão de bombeiros, o resgate chegou tarde demais. A pista do aeroporto possui uma elevação na sua parte central, uma minicolina bloqueava a visão de todos que estavam no pequeno acampamento. Para ajudar, o vento soprava de tal forma que a fumaça não era visível.
Um erro que não poderia acontecer. A equipe de socorro deveria estar no centro da pista, teoricamente o local melhor posicionado para atender qualquer ocorrência, onde quer que fosse. O segundo erro, aparentemente, foi que nem o piloto do Furai nem o carro do pessoal da revista estava com um rádio de comunicação para falar com a equipe de resgate. Isto é básico, ainda mais em um carro como o Furai.
O tardio resgate acabou com as chances de sobrevivência do protótipo. Nada poderia ser feito, o mais marcante carro conceito da marca em anos estava morto.
Muito já foi dito contra o Top Gear, injustamente ao meu ver. Como o programa de televisão conta com muitos absurdos e besteiras, as críticas foram fortes. Mas eles nada tiveram a ver com isso, e mesmo se fosse na mão deles, nas circunstâncias que o Furai morreu, também não seria culpa deles. Foi na mão da revista Top Gear, mas poderia ter sido com a EVO ou com a Road & Track. Houve falha de não ter sido levado um rádio de comunicação, mas o fogo repentino também teria acontecido. Talvez o resgate chegasse mais rápido e houvesse chance de reparo no carro.
Um acordo entre a Mazda e a revista foi feito para que nada fosse divulgado por anos, até que em outubro deste ano, a Top Gear foi autorizada a contar a história de como o Furai deu sua última acelerada no motor Wankel queimando álcool. O relato foi do próprio editor, Charlie Turner.
O que sobrou do Furai foi recolhido pela equipe da Mazda e levado para longe dos olhos de todos. Não se sabe o que aconteceu com o Furai, se ele está guardado, ou se ele foi destruído por completo.
Como o próprio nome sugere, o som do vento soou uma última vez, heroicamente, em alta velocidade e plenos pulmões dos três rotores emblemáticos da Mazda, para depois calar-se em um silêncio profundo.
MB
Fotos: Mazda, Top Gear, ultimatecarpage, ALMS, autowp, motorsport.com
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